5.11.08


5 DE NOVEMBRO DE 2008


Obama eleito; a história, afinal, não acabou


Afinal, a história não acabou, nem mesmo nos Estados Unidos, onde parece estar apenas começando. A eleição do negro e democrata mudancista Barack Hussein Obama para a Casa Branca, na votação mais concorrida da história do país – onde a abstenção maciça sempre foi uma reserva do conservadorismo – abre um capítulo novo na trajetória do país.

Por Bernardo Joffily


Fonte: 'New York Times'; Obama em azul, McCain vermelhoEm uma ironia final, o filósofo e economista nipo-americano Francis Fukuyama, autor da teoria neoconservadora do ''fim da história'', muito em voga nos anos 90, terminou, quem diria, votando em Barack Obama. Depois de se tornar um dos mais badalados neocons do país, e de colaborar com as administrações de Ronald Reagan a George W. Bush, Fukuyama anunciou seu voto na última quinta-feira (30).


Ele argumentou que 'e ''difícil imaginar uma presidência mais desastrosa do que esta de George W. Bush''. Qualificou a Guerra do Iraque de ''desnecessária''; e taxou de ''altamente irresponsável'' a escolha de Sarah Palin para vice da chapa republicana. Já não se faz neoconservadores como dez ou vinte anos atrás.


O poder de enquadramento do sistema


Poucos duvidam que se abriu nesta terça-feira uma página nova na história do país mais poderoso da atualidade. Que foi a eleição presidencial mais dramática, épica e importante pelo menos desde a de Franklin D. Rosevelt, em 1932. Quanto aos contornos e dimensões da mudança, ainda sobram interrogações. Fica o consolo de que em breve saberemos.Convém ser prudente. O sistema político americano, que ao longo de mais de um século tem sido a representação estatal do imperialismo americano, é mestre em enquadrar presidentes e fazê-los seguir o script que lhe convém. O inquilino da Casa Branca pode ser um cowboy canastrão de Hollywood (Ronald Reagan) ou um plantador de amendoim cheio de boas intenções sobre direitos humanos (Jimmy Carter), um liberal com John F. Kennedy, iniciador da guerra de agressão ao Vietnã, ou um ultradireitista apalermado como George W. Bush: todos, no final das contas, têm jogado o jogo.


O tamanho da crise americana


Ao mesmo tempo, erra quem enxerga os EUA como uma realidade chapada, sem classes nem luta de classes, sem contradições e conflitos, sem movimentos, sem história. Isso não passou de um sonho de Fukuyama, e foi um sonho do mais profundo reacionarismo.Neste novembro de 2008, os Estados Unidos da América são uma sociedade em crise profunda. Crise econômica antes de mais nada, a começar pelos subprime, passando pelas finanças e o crédito, e já plenamente instalada na produção (as vendas de automóveis em outubro somaram 850 mil, uma quebra de 31% em relação a 12 meses antes, e um número menor que o brasileiro). Mas não só.A crise é econômica mas também ideológica, como mostra a confissão de culpa de Alan Greenspan, o sumo-sacerdote do neoliberalismo aplicado, de que ''a filosofia'' em que ele acreditou a vida inteira ''não está funcionando''. É uma crise de hegemonia, comprovada pela torcida eleitoral no mundo inteiro (uma pesquisa na França apurou 78% de preferência por Obama e 1% por McCain). E, como atestam as urnas do 4 de Novembro, é uma crise política, sem precedentes pelo menos desde a dos anos 60, que produziu Luther King, a contracultura hippie e o movimento contra a guerra.


A vitória de Obama seria inconcebível fora deste cenário crítico. É antes de mais nada a crise que explica esta eleição, disputada palmo a palmo, primeiro nas primárias, face à pretendente Hillary Clinton, candidata do ''main stream'' democrata, e a seguir contra John McCain, que começou a campanha posando de republicano liberal e terminou-a apelando para Sarah Palin e o mais visceral conservadorismo fundamentalista, em sua cruzada contra o ''socialista'' que quer ''redistribuir a riqueza''.O mapa dos resultados, ainda parcial, mostra que é um movimento concentrado nos grandes centros urbanos. Obama venceu em todos, enquanto os grotões da ''América profunda'' conservadora e fundamentalista, chamada ironicamente ''Jesusland'' (''Jesuslândia''), pendeu para McCain e, é claro, Sarah Palin.

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